quinta-feira, 9 de junho de 2011


Fuma pra mim?
Como é?
Fuma pra mim! (e o que antes era um pedido, virou uma ordem e aquilo a excitou como se ele tivesse pedido para ela gozar pra ele, exatamente como ele havia feito, minutos antes…)
Você sabe que eu tô tentando parar, inclusive porque você reclamava que...
Eu sei… só fuma. Eu não tô te pedindo que me ame, mas que acenda um cigarro.
Ela levantou da cama, caminhou lentamente até a mesinha ao lado da janela, abriu a bolsa, pegou o maço de cigarro e o isqueiro. Sentou na ponta da cadeira, com o dorso ereto, o quadril empinado, e acendeu aquele cigarro barato que ele tanto detestava. Ficou ali, nua, muda, na penumbra do quarto, contra-luz, fumando, sem olhar pra ele. Fingindo indiferença, mas consciente da sensualidade de cada movimento minuciosamente observado, de cada tragada, da fumaça que assoprava lentamente.
Ele não tinha cinzeiro em casa. As cinzas do cigarro caiam no chão e ela não se importava. Nem ele.
Foda-se o teu tapete branco.
- Por que você se pinta tanto?
- Por que, diabos, você tem um tapete branco no seu quarto?
- Pelo mesmo motivo que você se pinta…
- Se isso te irrita tanto, por que você me pediu que viesse?
- Eu não pedi que você viesse maquiada, nem com as unhas e os cabelos pintados de vermelho…
- Mas me pediu pra fumar pra você…
Ela descruzou as pernas, apoiou o cigarro na ponta da mesa, bem na direção do tapete branco. De propósito, obviamente. A fumaça subia e escapava pela janela, junto com os pensamentos dele. Enquanto ele acompanhava o caminho da fumaça, ela o encarava, ao passo que ele, ao perceber o desafio, devolveu o olhar com outra pergunta:
- Por que você veio?
Ela riu.
- Pra ter certeza de que você se arrependeu, pra te ver agonizar silenciosamente, bem assim, do jeitinho que você tá fazendo agora…
- Sádica.
- E quanto a você? Por que me chamou?
- Pra lembrar…
Com o tempo, a memória falha. E como se não bastasse falhar, sabota. Ele só lembrava do sorriso dela, da pele lisa, do corpo lindo, do jeito irreverente e falador, das noites em claro fazendo amor. Precisava lembrar dos vícios, ver as vísceras dos defeitos de novo, bem de perto, pra ter certeza de que ela não era mulher pra ele, com aquelas roupas justas, o sutiã que nunca combinava com a calcinha, o cabelo multicolorido, a maquiagem exagerada, as unhas mal pintadas de vermelho aberto, roídas nas pontas, o cigarro fedorento que ela fumava com um charme quase insultante, deixando a marca do batom vermelho de péssimo gosto.
O cigarro durou a eternidade do silêncio, com diálogos espaçados. E ela ainda haveria de fumar outros tantos pra ele lembrar do que precisava esquecer…
Isso se ela não o tragasse antes, entre um cigarro e outro.

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