domingo, 10 de abril de 2011


Diz no telefone que gosta de mim, com o timbre debochado e uns risinhos bobos. Não, você não gosta de mim, só diz gostar de mim porque agora não pode me ter. Você sabe, hoje faço 232 dias abandonado e ando ocupado sentindo pena de mim. Aí já aproveito pra adiantar que amanhã não dá, vai fazer 233 dias da mesma coisa, vou brindar também, e o meu presente é ficar sozinho. Mas você é uma menina chata, mas não do tipo que arruina o dia, o tipo que me deixa sem saída.

Deixo você entrar e peço desculpa pelo moletom amarelo e os cachos amassados. Me pergunta se meu estado tem a ver com a biscate. E eu não acho bacana chamar ela assim. Seu olhar fecha com sotaque tolerante e eu não queria mesmo falar disso. Tudo bem, você é esperta e cheia de assuntos. Piada? Tragédias? Fotografia? Tanto faz, a afinidade emerge sem violência, acontece simplesmente, como o sol ameno de cada amanhecer subtropical. Você fala de coisas sem parar, com o timbre debochado disfarçando não ter nenhum mecanismo de defesa. Você ri de bobagens, a revista velha e o refrão do Zeca Baleiro e, apesar da minha cara de tédio e reprovação, a coisa vai ficando melhor.

Você é uma dessas meninas de lados opostos, a teoria da relatividade em pessoa. Tem aquela ingenuidade que deixa um espaço pra qualquer cara praticar a malandragem que todo mundo tem, mas sempre deixa por isso mesmo. E segue insistindo, porque sabe que uma hora a coisa rola e essa sensação estranha da vida estar sempre pra acontecer vai um dia descer pelo ralo e fazer companhia pra todos os imbecis que passam na sua vida e ficam devendo o pedágio.

Não importa o gosto ácido que vai fermentando na boca enquanto a vida passa e você vai lentamente se transformando em mulher, e perdendo aquela sensibilidade de flor e o sorriso de veraneio. E sempre diz que só a ausência de medo nos aproxima do amor. E você fica tão perfumada e sexy quando diz isso tudo quase anestesiada de dor, como se realmente soubesse patavinas do assunto, afora a experiência com filmes e livros da Helen Fielding. Um pouco de silêncio. O sol penetrando devagar realça o tom aniz do quarto e ao te alcançar, iniciando pelos pés descalços em cima da minha cama bagunçada, deixa sua aura meio lilás. E você fica mais bonita sem sapatos e toda de lilás.

Aí começa a rir da minha cara de bunda cheia de mágoa e meu cheiro de quem dormiu quase um ano inteiro por causa de uma biscate. Não sei qual a graça e você diz que não posso ver graça, justamente porque estou perto demais de mim mesmo pra dar risada da situação. Diz que todo mundo que é normal tem disso, é uma coisa temporal, depois o calor vem e enxuga a dor. Mas porque mesmo não gosta de mim? Você insiste em querer saber, escondendo com a franja a intensa fragilidade por trás dos olhos.

Agora falando sério, não podemos se beijar e nem nada, porque ainda com todas aquelas coisas em comum, você me olha apaixonada e eu ainda só consigo te olhar triste. Então, se você não quer ser picada em pedaços e depois ser embrulhada assim como eu, aproveita a chance que estou dando, vai embora e vê se desiste de mim. Mas não, teimosa demais, debochada demais, me oferece uma respiração boca-a-boca e me diz que vai ficar mais um pouco, porque se todo mundo terminar o que não começou ninguém nunca vai chegar a lugar comum.

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